UMA PARÁBOLA

O nosso relacionamento para com Deus é semelhante ao menino que, tendo ganhado de presente um lindo brinquedo, ficou muito feliz. Mas, apesar de ter gostado demais, o menino tinha muitas outras coisas a fazer e não dedicou zelo ao lindo brinquedo. 

Certo dia… o brinquedo quebrou! Ah! Que dor! Ele amava aquele brinquedo! Era o seu preferido. Todas as outras coisas passaram a não ter mais importância e seu coração estava agora, mais vazio do que nunca.

Triste, o menino olhou e avaliou o estrago, percebendo, então, que não tinha nem capacidade e nem material para consertá-lo; não tinha poder para fazê-lo.

Mas, uma luz acendeu em seu pensamento e seu coração se encheu de esperança:

– Meu pai!

Bem depressa, com o brinquedo em pedaços, correu à procura do pai. Encontrou-o lendo tranquilamente seu jornal na sala.

– Pai. Disse ele meio alegre, meio envergonhado: ansioso! – Pai, meu brinquedo quebrou. É o meu preferido; e eu não posso conserta-lo. Tampouco posso viver sem ele! Mas tu… sei que podes. Faz isso prá mim?

O pai, que tendo baixado o jornal, ouvia o filho com ternura e paciência,  sorriu e disse: 

– Se queres que eu conserte, entrega-o a mim.

Por alguns instantes o menino sofreu: não poderia separar-se do brinquedo quebrado – não agora, pois percebera o quanto lhe era importante e teve medo. Pensou: 

– E se ele não consertar? E se não ficar bom, do jeito que eu quero? E se ele resolver não me devolver? E se…

O pai, experiente, conhecendo o que se passava no coração de seu filho, disse, manso e firme: 

– Se queres teu brinquedo consertado, entrega-o.

O menino entregou: doeu, ficou vazio, deu por perdido, chorou, dormiu angustiado e acordou de luto! O mundo perdeu o brilho. Nem chocolate lhe poderia agradar. 

– E se ele não consertar? pensava:

Tem tanta coisa quebrada nesta casa… porque ele vai se preocupar justo com meu brinquedo? Mas, ele prometeu…

Resolveu confiar:

– Meu pai vai dar um jeito. Ele sempre diz que me ama e que posso confiar nele. É! Se isso tem um jeito – ele vai achar!

Todo dia o garoto voltava ao assunto:

– Pai, já arrumou meu brinquedo? Tá demorando! Eu nem posso estudar ou dormir direito – só penso em poder brincar novamente com ele! Ah! Quando estiver pronto… nunca mais largo dele – vou cuidar direitinho! Eu fui mesmo um relaxado!… Como estou arrependido!

O pai ficava satisfeito de ver o filho perceber as verdades na dor e crescer. Dizía lhe:

– Espera filho, estou trabalhando no brinquedo todos os dias, leva tempo! Aquieta teu coração.

E assim, passaram-se muitos dias. Dias demais para qualquer menino. Ah! Insuportável para este cheio de vida e de planos! Então… num repente… 

– Não dá! Vou ver o que está acontecendo e, quem sabe, eu possa fazer algo prá acelerar esse conserto?

Correu então para o escritório do pai, abriu a porta de mansinho e… lá estava. Sobre a mesa de trabalho, bem diante da cadeira de seu pai:  o brinquedo! Inteiro!

Chegando maís perto percebeu que aínda havia uma peça que não fora colada. Ao lado….. a cola! Pensou com o coração aos pulos: – Quem sabe ele não teve tempo prá ísso? Vou ajudar!

Então, com suas mãozínhas ínexperíentes e sem perceber que outras partes estavam coladas recentemente, estragou todo o trabalho do paí. Que desespero! Cheio de culpa pensou:

– Meu brinquedo!?! E agora? 

– Sou mesmo um burro! pensava… Além de ficar sem o brinquedo, como vou encarar meu pai outra vez?

Escutou passos. Que terror! Correu para detrás das cortinas. Se não o encontrasse pela respiração que estava suspensa, certamente ouviria seu coração que batia como o bumbo da banda!

Pela fresta da cortina observou: o brinquedo desmontado sobre a mesa e algumas peças ainda caíram no chão por causa do desespero e da fuga.

Pensava: – Não tem mais jeito, era melhor nunca ter ganhado este brinquedo. Eu não mereço mesmo! Nem mereço ter um pai! Ele deve ter vergonha de mim! Ele vai me odiar e não vai mais falar comigo. Bem feito prá mim! 

Com o coração num ritmo mais calmo e com o ar de volta aos pulmões, admitiu para si mesmo:

– Não posso mesmo ficar aqui pro resto da vida.

De cabeça baixa, com uma dor estranha, diferente, que lhe envolvia todo o corpo e anestesiava seus sentidos, caminhou na direção da porta. Ouviu:

–    Filho!

Parou. Gelou. Não tinha coragem de olhar prá trás. Precisava fugir. Mas, que estranho… não queria… e agora?

Ouviu novamente: 

– Filho! (quando é que esta voz se tornou tão doce?)

– Filho! Olha prá mim.

O menino virou-se. Olhou! Nunca poderá descrever o que sentiu. Seu pai estava sério, e havía tristeza em seus olhos. Mas, seus braços … seus braços estavam abertos para ele…

Sem pensar mais nada, o menino correu. Correu para os braços do pai e chorou. Convulsivamente chorava e falava – explodia em sentimentos de culpa e arrependimento. Sossegou.

– Filho. O que fizeste foi errado: Não confiaste em mim. Subestimaste meu interesse por teu problema. Mexeste em algo que estava sob o meu domínio, minha responsabilidade. Não pediste licença. Te julgaste mais sábio do que teu pai. Concordas?

Envergonhado, querendo ficar invisível, consentiu com a cabeça murmurando um “concordo” muito embrulhado.

– Bem, disse o pai: – Se queres, ainda posso fazê-lo. Mas, terás que esperar. Esperar mesmo: esquecer. Voltarás às tuas atividades e não me perguntarás mais todo o tempo se já terminei, certo?

– Certo! Respondeu.

E para si mesmo: – Claro que está certo!

Vendo-se livre de um peso enorme, o menino saiu. Já não era o mesmo que entrara naquela sala.

O tempo passou. E ele sempre se lembrava do brinquedo mas, olhava para o pai e confiava.

Sentia saudade do brinquedo preferido. Aquele que sempre quis ter e, quando teve, não cuidou. Chorava no seu quarto. Limpava o rosto e saía de novo. Quase esqueceu; livrou-se da dor, como a dor por alguém que já morreu há muito tempo. Certo dia….

– Filho, vem comigo. 

Tomando-o pela mão, o pai o levou até seu escritório. Pegou-o no colo e sentou-se à mesa. Ali havia uma caixa. Uma caixa de presente.

– Abra. Disse-lhe o pai.

O menino abriu. Não podia acreditar! Seu brinquedo preferido! Novinho em folha!

– Pai! Exclamou o menino: – Ficou lindo!

Pensou: – Como pode? Não há nem marcas de emendas; é como novo! Perguntou:

–    E outro?

–    Filho! Disse com ternura, o Pai: – Tens vivido toda a tua vídinha comigo e ainda não me conheces? Não conheces o poder da minha dedicação? O meu trabalho é feito com amor e sendo assim não deixa marcas. Não fica cicatriz!

Então, aquele filho, erguendo os olhos do brinquedo tão querido, encontrou os olhos do pai. Nunca percebera aqueles olhos: mansos, doces… 

Pensou:

– Ele sorri com os olhos!… 

Amou-o! Então, seu coração se encheu desse sentimento e transbordou. Não ficou mais nem um Iugarzinho vazio! Engraçado… o brinquedo já não tinha a mesma importância. Olhou o presente e alegrou-se! Pensou:

– Eu nem acredito!

– Filho! Tornou a falar o pai, enquanto o menino olhava novamente para seus olhos, agora atraído… enlevado! 

– Filho! Eu estou sempre tão perto. Não venhas a mim só quando precisares mas, venhas também com os teus brinquedos inteiros. Brinquemos juntos. Venhas contar dos teus amigos, da tua escola, das tuas alegrias, das tuas derrotas… venhas sempre pois eu te amo!

– Pai! Me diz; eu quero saber! – Porque há tantas coisas quebradas nesta casa se tu podes fazer um trabalho tão bom?

– Filho, vê: há muitas coisas quebradas, mas, há tantas consertadas e tantas outras que nunca se quebraram. Teus irmãos às vezes trazem coisas para que eu as conserte. Outros trazem antes de quebrar; aprendem comigo a brincar da maneira certa e têm seus brínquedos por muito tempo. Mas, cada um tem o direito de escolher o que fazer com seus pertences. Eu lhes dei esse direito, assim como lhes dei os pertences.

Não vou até seus aposentos mexer em algo que não está sob a minha guarda. Seria desonroso tal procedimento. No entanto, todos, assim como você, sabem que estou aqui e que os amo. Eu tenho mostrado isso todos os dias, não tenho? Olha à tua volta! Não vês o fruto do meu amor por ti?

(Mara Gomes Protta –  Florianópolis, 25.01.96)

“Bom   é o Senhor para os que esperam  nele,

para a alma que o busca.”

(Lm 3:25)

Discernindo e obedecendo